Pedro Moura (Lisboa, 1973). Crítico e autor de banda desenhada, escreve, agora pouco regularmente, nos blogs Lerbd e Yellow Fast & Crumble. Doutorado pela FLUL e KUL, o seu livro Visualizing Small Traumas. Contemporary Portuguese Comics in the Intersection of Everyday Trauma (KUL Press) está quase no prelo. É também docente há mais de 25 anos, em várias instituições, mais recentemente em torno da banda desenhada, ilustração e animação, inclusive na ESAD, Caldas da Rainha. É sócio co-fundador da livraria-galeria Tinta nos Nervos, em Lisboa. É argumentista noutras áreas e, infelizmente, é coleccionador de objectos ridículos para todos os demais cidadãos.
Jornal 0, It’s a duck… Don’t collect ducks, or you’ll end up breeding rabbits.
(excerto)
“Começaste por coleccionar patos. Pequenos patos, esculpidos em madeira. Nem sequer te lembras por que razão começaste a fazê-lo. Talvez já tivesses um par deles, ou compraste-os numa feira. Depois, alguém na tua família ofereceu-te outro par, por ocasião de um Natal. Isso pegou, e outras pessoas passaram a oferecer-te o mesmo. Ou se calhar tinhas mesmo um interesse genuíno no seu fabrico. Passaste a tomar atenção em pequenas feiras, lojas especializadas, encontros dos praticantes. Rapidamente tinhas um conjunto significativo, coerente, ordenado. Reservaste uma prateleira ou um canto especial em casa para os colocar todos juntos.
Ao mesmo tempo, essa prática ia agregando conhecimentos específicos. Percebias a diferenças entre aqueles feitos à navalha e os que empregavam um torno. Em dias bons, distinguirias o toque da nogueira do do pinho. Havia uma bela coerência e sentido de ordem, colocados lado a lado, em fileiras ordenadas, já que tinham tamanhos similares entre si. E as cores, ora mais garridas ora mais suaves, com mais enfeites ou abordagens mais toscas, permitiam sempiternas recombinações nos arranjos, conforme as necessidades de rearrumações.
Além disso, conhecias as suas origens, as diferenças entre criadores e fabricantes, sabias mesmo a história, as datas, as circunstâncias de cada fabricação. Sabias que havia quem achasse alguns deles “falsos” ou variações menores de outros modelos, mas a ti interessava-te a forma, não essa espécie de pureza, que achavas não ajudar à compreensão da prática. (…)”