Rodrigo Silva

Rodrigo Silva (n.1976) é licenciado em Filosofia (1998) pela FCSH-UNL, com uma tese sobre Imagem e História em Walter Benjamin e doutorado em Cultura Contemporânea (2007) pela FCSH-UNL, com uma investigação sobre A questão do espaço na filosofia contemporânea. É Professor Coordenador (Comunicação e Cultura Contemporânea) da Escola Superior de Arte e Design de Caldas da Rainha, leccionando desde 1998 na área da teoria da arte, da estética e da filosofia contemporânea. Foi Sub-director da ESAD.CR (2010-2014), Director (2014-2016) e Presidente do Conselho Científico (desde 2017). Editou e organizou o livro colectivo A república por vir – arte, política e pensamento para o sec.XXI (com ensaios de Georges Didi-Huberman, Jacques Rancière, Marie-José Mondzain e Bernard Stiegler), editado pela Fundação Gulbenkian, em 2011. Tem vários ensaios publicados sobre filosofia contemporânea e artes visuais. 

Jornal 0, Apotegmas secretos sobre a biblioteca perfeita.

(Excerto)

“1. A biblioteca perfeita é o lugar terrestre onde todo o conhecimento humano, vertido em forma escrita, em todas as línguas e formatos possíveis, se pode encontrar guardado e posto a salvo, de forma perene e imperecível, cuidado, organizado e classificado, livremente disponível para todos e para qualquer um, sem distinção de credo, raça, nacionalidade, religião, língua, género, estado civil, nível académico ou cultural, incluindo pessoas possuidoras de bigodes (sejam eles extremamente finos ou de pilosidade abundante).

2. A biblioteca perfeita não existe e não é possível, provável ou plausível que alguma vez possa ter existido ou sequer que venha a existir. Só existem bibliotecas finitas, contingentes e concretas, perecíveis e transitórias, incompletas e inacabadas, frágeis, ameaçadas, com falta de espaço, de fundos, de recursos, pessoas, de livros (e com pó, muito pó). Só existem bibliotecas humanas, em busca de aspirações supra-humanas. A todas acontecerá um destino inumano: todas as bibliotecas existentes são as centelhas póstumas da Biblioteca de Alexandria (aquela biblioteca que arde todas as noites nos sonhos assombrados dos bibliómanos).

3. A biblioteca perfeita é feita exclusivamente e de forma total e definitiva (pelo menos até que decisão em contrário) para os leitores ideais, eleitos pelo colégio transcendental dos guardiões da leitura infinita: aqueles que acham que nos livros se escondem os segredos cifrados e misteriosos do grande alfabeto da vida e da eternidade. Aqueles que acham que “o paraíso será uma espécie de biblioteca” (também chamados de borgesianos, descendentes de um escritor cego) e aqueles para quem “deus, se existisse, seria uma biblioteca” (também chamados o ecoístas, descendentes de um professor que fumava cachimbo) são os seus principais habitantes. (…)”